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sábado, 28 de dezembro de 2019

O governo das luzes apagadas e do bolso furado!

Não sei exatamente quem tem mais culpa pelos buracos e pelas não luzes pela cidade. O fato é que se for da Prefeita, ela já tampou a metade dos buracos e fez as luzes de Natal.
Eu aqui pensando com meus botões: sabemos que os governos petistas foram também movidos por ideais ideológicos, levou a benfeitorias nós primeiros governos pelo menos.
Agora voltando ao assunto inicial, parece que o atual governador nunca andou na capital Acreana, pelo menos nos pontos periféricos ou centrais e de entrada mesmo. Existe uma escuridão sem tamanho, que causa redutos de marginais. Sem contar com os buracos perigosos no asfalto. Gladson pode não ter pego uma herança boa: ou seja uma crise econômica, mas já vai completando quase um ano de governo, e temos que saber qual a ideologia o move também, se só o ego, isso logo se desfaz...e o descaso e a vontade de poder vai se locupletar.
Assim, infelizmente nosso governador vai fazendo o Natal pobre e o governo das luzes até aqui apagadas!


sexta-feira, 14 de junho de 2019

Governo ruim, deve ruir !!!

Como diria Raul Seixas: " Se o mundo foi e será um porcaria eu já sei... Que sempre houve ladrões maquiavélicos e safados... Contentes e frustrados... Que esse século é uma droga de maldade e lixo já não há quem negue..."Dá no mesmo, às vezes, estar de um lado ou de outro... 

Porém, a maioria dos eleitores brasileiros optaram pelo pior protesto e escolheram um caminho desastroso e incerto. Agora sim, podemos dizer: temos o que merecemos! Eis aí uma máquina administrativa parada, um desgoverno, sem crescimento econômico, quase sem Educação, Saúde e sem outras engrenagens fundametais em pleno funcionamento.

Com todo respeito a quem votou e ainda acredita nesse projeto que aí estar, foi tiro no pé e pontapés na bunda de empregados, onde quem trabalhou a vida toda: que morra! O governo da raiva e do ódio contra pobres e outras minorias está em prática!


Um governo da incompetência, de que não nunca e não sabe gerir uma banca de bombons!
E isso, não tem nada a ver com cores partidárias ou ideologias, mas o risco cairemos no destino tenebroso que aconteceu! Caímos num governo medíocre, que achamos que, por mais que defenda a elite, nem pra esta, serve! Governo ruim, deve ruir!

Governo Cameli: começa um pouco menos ruim !!!


Entendemos que é muito mais fácil fazer, embora que de forma eloquente e "intelectualesca", uma análise da vida de qualquer político, pois num regime democrático, tal qual vidraça, que podem sofrer pedradas a qualquer tempo.  Porém, não podemos perder de vista os acertos do atual governador Gladson Camelli, tanto na área na segurança, que houve uma diminuição de crimes e "ondas de crimes" se comparado ao últimos meses de governos de Tião Viana. 


Nisso, surtiu algum efeito, mesmo que tímido e exigente de continuidade, e um severo combate, e enfrentamento ao crime, massacrando-o o dinamismo que este, se apresenta constante, nos retirando a Paz! Nossa cidade aumentou, cresceu mesmo que desordenadamente, aumentou acidentes de trânsitos que requer bom e rápido atendimento o que nem sempre vemos.
Sabemos como Oswaldo Cruz observou que esse atraso, pobreza e miséria geram pessoas doentes. E o estado lhes tira o direito a uma vida mais digna e a saúde.

O direito a saúde é o direito a vida que está na Constituição, é o direito de ser humano, de sobreviver. O Estado por sua vez deve elaborar políticas públicas que priorizem o doente sem condições, sobretudo. No entanto, não vemos prioridade da União, estados e municípios.
Ademais, nosso tratamento de esgoto é terrível, o que favorecem o aparecimento de doenças. Aqui no Acre existe a UPA- Unidade de Pronto Arrependimento. São filas de Arrependimento. Filas de milhares de pessoas morrendo no Hospital das Clínicas. Remédios surrupiados às surdinas por funcionários e outras formas de carteis do mau atendimentos de décadas, por funcionários "viciados" no mau trabalho que prestam e toda engrenagem em de não funcionamento. 

Há pouco tempo precisava-se os cidadãos dormirem em bancos e enfrentarem o descaso, pior que continua os agendamentos para os “peixes”, longas filas nos postos. Poucos médicos especialistas. 
Por tudo isso, esse novo governo ganha mais um ponto, pois a Saúde detêm a frieza de uma máquina que indiretamente mata! 

Mas aparecia na mídia, às vezes aparecia, um médico e atual governador, que só tinha “peixes”, onde o governo virou cabide de emprego até para filhos de correligionários que não querem fazer nada... O médico chega e diz que tinha sensibilidade: e o sofrimento nas filas? E a medicação do pobre que não tem?

Mas como dizia Manoel Bandeira aqui é Pasarga onde se for amigo do rei tem-se a mulher que quer na cama escolhida. Aqui é pasarga... O melhor lugar para se viver!

sábado, 2 de fevereiro de 2019

O que leva o novo ministro da Fazenda grego a fazer críticas duríssimas ao professor francês, autor de 'O Capital no Século XXI'

Economia
O que leva o novo ministro da Fazenda grego a fazer críticas duríssimas ao professor francês, autor de 'O Capital no Século XXI'. Por Antonio Luiz M. C. Costa
por Antonio Luiz M. C. Costa — publicado 11/02/2015 19:44, última modificação 11/02/2015 20:33
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Piketty e Varoufakis
Piketty quer um Estado federal unificado para a Europa. Varoufakis rejeita essa proposta

É raro economistas de esquerda serem ouvidos pela mídia, quanto mais levados a sério, mas dois deles conseguiram essa façanha nos últimos meses: o francês Thomas Piketty, autor de O Capital no Século XXI e o grego Yanis Varoufakis, novo ministro da Fazenda de seu país. Ambos estão conquistando fã-clubes que não se resumem a colegas de profissão e despertam o interesse de políticos e militantes de esquerda em todo o mundo. Seria de se esperar que suas ideias fossem semelhantes ou complementares. Mas não os convide para a mesma mesa: o ministro grego é um crítico duríssimo do professor francês. Em artigo publicado na Real-World Economics Review, chega a chamá-lo de “O último inimigo do igualitarismo”.
Que as esquerdas não precisam de muitos motivos para se dividir é um clichê fácil, mas as razões da divergência são importantes e interessantes. Não há dúvidas sobre a importância da pesquisa inédita de Piketty sobre mais de duzentos anos de história da concentração de renda e riqueza e da importância das heranças no capitalismo. Nem sobre a “curva em U” que estas variáveis desenharam ao longo do século XX, de maneira a chegar a um mínimo depois da II Guerra Mundial e retornar hoje a um nível quase igual ao do século XIX – ou pior ainda, no caso dos Estados Unidos. O problema está em como o francês analisa teoricamente seus achados, propõe modelos e chega a conclusões sobre recomendações políticas.
A primeira dificuldade é que Piketty, embora reivindique com o título e a introdução de sua obra certa pretensão de atualizar e corrigir Karl Marx, sua conceituação está na prática muito mais próxima de A Riqueza das Nações, de Adam Smith, pois não distingue riqueza de capital e exclui apenas os bens móveis de consumo (tais como automóveis e eletrodomésticos). Moradias, obras de arte e barras de ouro não fazem diferença para o processo de produção, mas ele os trata da mesma maneira que tratores e robôs. Isso torna duvidosa qualquer tentativa de estudar e prever o crescimento e o desempenho da economia a partir dessa massa de “pseudocapital” da qual cerca da metade nada tem a ver com produção. Dificuldade análoga é tratar como “salários” os ganhos astronômicos de altos executivos, parte nada desprezível da renda nacional em países como os EUA, mesmo se são explicitamente vinculados ao lucro e constituídos de bonificações e opções de compra de ações.
Valores de mercado são governados por expectativas e pela taxa de remuneração do capital, mas Piketty considera essa taxa e o montante do “capital” como variáveis independentes, o que é inconsistente e conduz a um círculo vicioso. Ainda mais problemático do ponto de vista político é tratar a participação do trabalho e do capital na renda como resultado mecânico das suas leis da acumulação e do efeito de impactos externos, principalmente as guerras mundiais do século XX.
O modelo de Piketty supõe que toda poupança se transforma em riqueza (logo capital, em sua definição) e não há formação de riqueza se não for por meio da poupança. Isso tem pouco a ver com o mundo real, como mostra a formação da bolha imobiliária, durante a qual o valor de ativos cresceu aos trilhões com poupanças líquidas nulas ou negativas, ou a situação atual na Europa, onde altas taxas de poupança se combinam com falências e destruição ou desvalorização dos ativos. Implicitamente, Piketty adere à “mão invisível” de Adam Smith e à desacreditada lei de Say, segundo a qual a oferta cria a demanda sem que haja desperdício, desemprego ou superprodução e a poupança se torna investimento sem ser absorvida por entesouramento improdutivo.
No essencial, seus dados  sobre o processo de concentração de renda nos países ricos são sólidos e irrefutáveis, mas as “leis” propostas para explicá-lo são frágeis. Isso torna igualmente questionável sua conclusão por teorema matemático, de que a tendência ao aumento da desigualdade é “natural” ao capitalismo, embora nessa conclusão ele esteja mais próximo de Marx do que de Smith.
Varoufakis argumenta que se renunciarmos às simplificações arbitrárias de Piketty e aplicarmos modelos realistas da economia, a participação do capital na renda e sua distribuição são fundamentalmente indeterminadas. Para o grego, não há nada de natural ou determinístico na concentração de renda e riqueza no capitalismo. A melhora temporária da distribuição de renda e propriedade durante o século XX não foi nem uma anomalia, nem um resultado inevitável das guerras, mas o resultado de uma intervenção política consciente para evitar a depressão econômica e salvar o capitalismo. E a volta do processo de concentração nos anos 1970 também não foi o resultado de leis mecânicas, mas de outra política consciente dos EUA para atrair capitais e manter sua hegemonia quando sua competitividade ante Europa e Japão se reduziu e deixou de acumular superávits no comércio internacional.
Essa discordância teórica implica em grandes divergências práticas sobre o que fazer. Como Piketty considera a tendência à concentração de renda inerente ao processo de acumulação do capitalismo, propõe apenas soluções redistributivas, principalmente aumento das alíquotas progressivas de imposto de renda para até 80% e um imposto mundial sobre o capital/riqueza.
Varoufakis argumenta que um imposto sobre a riqueza, mesmo que seja factível, seria contraproducente e agravaria as dificuldades da economia. Considere-se uma família de desempregados que conserva sua residência, ou uma indústria sufocada por falta de demanda e crédito: uns e outros, mesmo sem dispor de renda, seriam obrigados a pagar um imposto elevado, o que apenas serviria para levá-los mais rapidamente à falência total. Para o grego, um combate eficaz à desigualdade deve atuar na formação de salários e demanda (por políticas keynesianas, por exemplo).

Ambos também divergem drasticamente quanto às propostas para a Zona do Euro. Piketty quer um Estado federal unificado para a Europa, cujas autoridades centrais tenham poderes suficientes para controlar e regulamentar o capitalismo financeiro. Varoufakis, em artigo escrito em parceria com o estadunidense James Galbraith, rejeita essa proposta que a seu ver apenas reforçaria e congelaria as atuais políticas e aprisionaria os países membros em uma “jaula de ferro” de desigualdade, dominação e austeridade perpétuas que impediria a evolução de uma verdadeira democracia europeia. Defende, em vez disso, um misto de títulos do BCE, resolução caso-a-caso dos problemas bancários, um programa de investimentos e um fundo de solidariedade que conservariam as soberanias nacionais e a flexibilidade das políticas econômicas e poderiam ser aplicados de imediato e sem necessidade de alterar os tratados existentes. Em resumo, as opiniões são parecidas quanto ao diagnóstico, mas quase opostas quanto ao tratamento.

AMÉRICA LATINA VOLTA À CENA

AMÉRICA LATINA VOLTA À CENA


Osvaldo Coggiola, professor titular da USP
A continuidade da crise econômica mundial (crise da Europa, recuperação limitada e largamente fictícia nos EUA, estagnação crônica no Japão, desaceleração na China) penetrou definitivamente os “mercados emergentes”, incluída a América Latina e seus “carros chefe” (Brasil, México, Argentina). Aponta-se como seu fator essencial o retrocesso de seus mercados de exportação, em especial a China (o que demonstra que essas economias continuaram sendo, basicamente, plataformas de exportação de produtos primários ou semi manufaturados). Esquece-se a fuga de capitais, que foram atraídos por taxas de juros sem paralelo mundial, fazendo do continente o principal espaço de valorização fictícia do capital financeiro internacional; o baixo ou nulo nível de investimentos; o fato de que os “programas sociais” paliativos favoreceram principalmente o trabalho “em negro” ou informal (30% da força de trabalho empregada na Argentina, por exemplo), sem criar um forte e expansivo mercado interno; o crescimento espetacular do endividamento público e privado, que compromete os investimentos públicos e até os programas sociais (consumindo, por exemplo, 47% do orçamento federal brasileiro); a crise e retrocesso dos variados projetos de integração continental independente. O PIB regional cresceu 0,9% em 2014 (contra 6% em 2010) e se prevê um desempenho pífio em 2015, com crescimento zero para o Brasil, segundo seu Banco Central. Já se cogita uma nova “década perdida” para América Latina, como a da década de 1980.
Contra esse pano de fundo se projetam importantes crises políticas que afetam, em maior ou menor grau, tanto os regimes “neoliberais” (de direita) como os regimes nacionalistas ou “progressistas”, até com a perspectiva de golpes civis, ou cívico-militares, novamente posta na agenda política. Paraguai (Lugo) e Honduras (Zelaya) foram só as primeiras manifestações de uma tendência maior. O pano de fundo geral é a crise capitalista mundial, a crise histórica do modo de produção do capital. São os países mais “desenvolvidos” da América Latina os mais afetados pela crise. A “periferia emergente” do capitalismo “global” enfrenta enormes pagamentos externos, uma dívida principalmente contraída pelas empresas multinacionais, superando em alguns casos as reservas internacionais. Revela-se a miragem de supor que no ciclo econômico 2002-2008 as nações dependentes teriam se transformado em credoras no mercado mundial: com o aumento da dívida privada externa, se mantiveram sempre como devedores netos; os superávits comerciais foram a garantia financeira do endividamento privado. O capital financeiro internacional apropriou-se do excedente comercial gerado pelo aumento dos preços e dos volumes exportados. A crise mundial bateu na América Latina devido à sua fragilidade financeira e comercial e à sua fraca estrutura industrial. Os governos da América Latina afirmaram inicialmente que se salvariam da crise devido à solidez das reservas dos Bancos Centrais. Mas a queda das bolsas regionais, a saída de capitais e a desvalorização das moedas deixaram sem base esses argumentos. O Brasil, orgulhosamente proclamado “sexta economia do mundo”, é apenas o 22° no ranking dos exportadores (com 3,3% do PIB mundial, detém só 1,3% das exportações internacionais). A produtividade total dos fatores econômicos, que cresceu 1,6% na primeira década do século, estagnou a partir de 2010.
A possibilidade dos EUA pressionarem e intervirem abertamente no continente diminuiu ao ritmo de seu declínio econômico e da crise de sua intervenção militar em outras regiões (Oriente Médio, Ásia Central). Limitados para recorrer aos clássicos golpes militares, os EUA, já com Bush, passaram a usar na América Latina o chamado soft power, incluindo a ocupação militar do Haiti por tropas “latino-americanas”, que realizam na ilha do Caribe o serviço policial que os EUA, embrenhados até o pescoço alhures, estavam impossibilitados de fazer. Barack Obama reatou as relações diplomáticas EUA-Cuba e ordenou a desativação da prisão militar de Guantánamo (Cuba), centro de torturas do exército imperialista, mas nem cogita em devolver o território da base a Cuba. Nem voltar atrás na reativação dos exercícios militares da IV Frota, encarregada do patrulhamento da costa atlântica de América Latina, sem falar nas quinze bases militares ianques na América Central e no Caribe. Os EUA buscam recuperar o protagonismo da desprestigiada OEA e estão de olho nas reservas de petróleo e gás natural no mar brasileiro, que colocaram o Brasil como detentor da terceira maior reserva do mundo. Isto, somado às reservas da Venezuela, da Bolívia e do Equador, fortaleceu momentaneamente a posição sul-americana em relação às potências econômicas imperialistas.
A crise dos governos neoliberais (identificados com a estabilização monetária baseada na âncora cambial, ou na dolarização) é seguida, agora, pelo declínio das bases econômicas das experiências reformistas ou nacionalistas baseadas em concessões sociais, tornadas possíveis na primeira década do século XXI por uma conjuntura econômica internacional favorável. Isso também afetou os governos neoliberais sobreviventes, agências diretas do capital financeiro internacional. América Latina entrou em uma nova etapa de lutas nacionais e de classes. A crise mundial irrompe na América Latina depois de bancarrotas capitalistas, crises políticas e levantamentos sociais. O cenário político latino-americano esteve dominado, nas últimas décadas, por crises e mobilizações de massas, em especial nos países andinos. E também pelos choques entre os governos nacionalistas “radicais”, que surgiram dessas crises, e os EUA. A emergência da esquerda na América Latina é geralmente localizada em um período que se estende de 1998 (eleição de Chávez para a presidência da Venezuela) até 2008 (eleição de Fernando Lugo para a presidência do Paraguai, pondo fim a seis décadas de governo do Partido Colorado), passando pelas eleições de Lula, Michelle Bachelet, Evo Morales, Néstor Kirchner, Daniel Ortega, Rafael Correa e a FMLN em El Salvador, devidas ao fracasso econômico dos governos neoliberais, seguidores da cartilha do FMI.
O neoliberalismo, com suas privatizações maciças, a pressão pela abertura dos mercados, em especial os do ex “bloco socialista”, a estratégia do "Consenso de Washington", foi a expressão da procura de uma saída para a massa de capital financeiro internacional acumulado com a crise dos anos 1970. Não era uma “ofensiva”, mas uma política de crise, o que explica privatizações aventureiras, como as dos serviços de água de Peru e Bolívia, que desencadearam rebeliões populares massivas. Foi o impasse do capital em escala internacional o que deu a base para uma virada política de grande amplidão, com a emergência de processos de autonomia nacional, incluindo (em especial nos países andinos) o papel inédito das massas camponesas e indígenas. Na emergência desses processos confluiu a derrubada dos partidos políticos tradicionais, que foram a garantia da estabilidade capitalista durante décadas na América Latina, com a crise mundial das relações econômicas capitalistas.
Depois de um período de enfrentamentos locais e internacionais, os regimes mais “radicais”, o venezuelano-bolivariano e o indigenismo andino, chegaram a compromissos internacionais e com a burguesia local, disciplinando a rebelião popular. As chancelarias das metrópoles imperialistas, e algumas latino-americanas (Brasil e Argentina) desenvolveram uma pressão ativa para que os “nacionalistas radicais” contivessem os processos populares. Isto foi também possível porque, a partir de finais de 2002, a retomada do comercio externo e da produção local, junto com o crescimento dos recursos fiscais, graças a um ciclo comercial internacional favorável às matérias primas latino-americanas, serviu ao conjunto dos governos da região (inclusive os neoliberais) para lubrificar os antagonismos sociais. Desde 2003-2004 se produziu, de conjunto, um refluxo na mobilização de massas. Os governos nacionalistas conseguiram administrar e canalizar a pressão popular para neutralizar a oposição de direita. A fase de relativo refluxo das lutas populares latino-americanas, a partir de 2004, condicionou a sucessão presidencial no México e o reinício de grandes lutas estudantis e mineiras no Chile e no Peru.
Os sucessos econômicos latino-americanos do século XXI, denominados pela OCDE de “grande festa macroeconômica”, foram relativos. Houve altas taxas de crescimento, inflação reduzida e orçamentos equilibrados ou até com superávits. Ao mesmo tempo, quase 50 milhões de pessoas deixaram a linha da pobreza, pelo menos estatisticamente: segundo a Cepal, a pobreza diminuiu de 43,9% para 28,1% na América Latina, entre 2002 e 2012. A população com rendimentos entre zero e quatro dólares diários caiu de 45% (2000) para 30% (2009); os detentores de uma renda entre 10 e 50 dólares diários (chamados de “classe média”) cresceram de 20% para 30% no mesmo período; os “vulneráveis” (entre 4 e 10 dólares diários) passaram de 30% para 40%. Os índices de melhora dos mais pobres se situaram, porém, abaixo do aumento do PIB regional. A pobreza extrema (12%), por outro lado, vem crescendo nos últimos anos. A concentração de renda (polarização social) se manteve estável, e até aumentou em países como México ou Colômbia; América Latina continuou sendo a região com a maior desigualdade social do planeta. Um dado notável é a queda do crescimento demográfico, situado em 1,8 filhos por mulher em países como Brasil ou Chile (esse índice é de 1,9 nos EUA), abaixo da taxa de reposição da população. Na América Central o índice de fertilidade feminina caiu de 6,0 (1960) para 2,2 atualmente, uma queda que os EUA ou Europa levaram mais de um século para atingir.
O retrocesso da pobreza foi especialmente importante no Brasil, onde os programas “focalizados” permitiram uma diminuição significativa da pobreza absoluta, coexistente, no entanto, com uma trajetória pouco alterada da concentração de renda e, ao mesmo tempo, com uma diminuição da renda média, da remuneração média do trabalho assalariado, e um grande incremento das fontes de renda não vinculadas ao trabalho, nas camadas mais pobres. Houve uma expressiva formação de reservas internacionais, em decorrência dos saldos comerciais obtidos pela alta de preços das commodities, e também pelo fato da taxa básica de juros, base da remuneração dos títulos públicos, ser muito elevada. Isto fez com que houvesse interesse dos investidores externos em negócios com os papéis da dívida pública. Entre 2003 e 2007 América Latina recebeu um volume recorde de investimentos estrangeiros, superior a US$ 300 bilhões. Suas multinacionais lançaram-se a outros mercados comprando importantes ativos, inclusive em países desenvolvidos. O processo alimentou a ciranda financeira: tornou-se excelente negócio captar recursos no exterior, a taxas mais baixas, e aplicar esses recursos, a taxas mais elevadas, na dívida pública latino-americana. O governo Lula isentou do imposto de renda os fundos institucionais estrangeiros que aplicassem recursos em títulos públicos. Com isso, aumentou a entrada de divisas, fazendo com que as reservas crescessem. Mas com um custo financeiro elevadíssimo: a remuneração dos credores é de 12% reais ao ano, uma carga de juros crescente e impagável.
Os dados da economia latino-americana começaram a mudar drasticamente com a crise mundial. Seu início, no entanto, multiplicou as declarações otimistas dos governos. América Latina encarava a crise mundial com mais de 75% do PIB regional com classificações de risco de crédito dentro do "grau de investimento". Em 2008, a região apresentava solvência, com 70% de sua dívida coberta por reservas internacionais - patamar bem acima dos índices verificados no Leste Europeu. Um fator alardeado foi a redução das dívidas denominadas em dólares. Mas isto ocultou a natureza do processo econômico, embutida na valorização monetária propiciada pela “estabilização”. A dívida externa foi “zerada” porque as reservas internacionais superaram seu montante, o que criou a fantasia da superação da dependência financeira externa. Mas o endividamento de um país com livre movimentação cambial de empresas estrangeiras e nacionais não pode ser aferido apenas pela dívida externa em títulos e contratos do governo. Com a abertura financeira, assistimos também uma acelerada desnacionalização das empresas, cujos lucros e dividendos foram crescentemente transferidos ao exterior. Com o barateamento das importações e as exportações menos competitivas, os resultados das contas externas começaram a apresentar uma inflexão importante já em 2007. O Brasil voltou a apresentar déficit nas transações correntes em 2008, por um valor de US$ 4 bilhões.
A dívida real, passível de ser saldada com moeda conversível, deve ser avaliada em conjunto com a situação da dívida interna em títulos públicos, e com a dívida externa privada. Um título público brasileiro, que vence em 2045, oferece 7,5% de interesse por cima da inflação, o mesmo título do Japão paga somente 1%, ou menos; tomar emprestado em Tókio para investir em São Paulo converteu-se em grande negócio para os bancos que operam no Brasil. As quedas espetaculares que afetaram a Bolsa de São Paulo foram a manifestação da vulnerabilidade financeira do país. A demolição dos “mercados emergentes” começou. A crise mundial tem mecanismos diretos de transmissão vinculados à contração da demanda mundial.
Mesmo durante o boom comercial, a dependência da região em relação aos EUA e à Europa continuou grande. Mais de 65% das exportações latino-americanas dirigem-se a essas duas regiões, com o restante indo para a Ásia e para parceiros regionais. Com a desaceleração chinesa, calcula-se que, em 2-3 anos, os EUA voltem a ocupar o lugar de maior importador de produtos brasileiros, deslocando a China dessa condição. Alguns países latino-americanos estão mais expostos ao comércio unilateral: o comércio do México é totalmente dependente dos EUA (que consome mais de 85% de suas exportações). No caso brasileiro, a economia mais “independente” do continente, e a dotada do maior parque industrial, seu superávit comercial (2003-2013) com o Mercosul foi de US$ 46 bilhões; com os EUA-UE, de quase dobro, US$ 90 bilhões (17,8 bilhões com os EUA, 71,6 bilhões coma UE). As economias latino-americanas continuaram muito dependentes da venda de matérias-primas, que representam mais de 60% de suas exportações. A situação do mercado mundial consente cada vez menos uma saída baseada num novo ciclo de endividamento. Os fluxos de capitais, aplicações e investimentos diretos estão em queda.
As experiências nacionalistas fracassaram na tentativa de estruturar um Estado nacional independente, e de iniciar um processo de industrialização capitalista autônomo, destruindo a supremacia do capital financeiro. Não criaram uma burguesia nacional, nem estruturaram uma etapa de transição sob a hegemonia do Estado. Em vez disso, criaram uma “boliburguesia” (os de “boligarcas” da Venezuela), ou o “capitalismo de amigos” dos Kirchner, através da burocracia governamental (que sangrou financeiramente o Estado). Nas nacionalizações, os capitalistas (externos e internos) receberam fortes compensações, até maiores do valor em bolsa dos capitais “expropriados”. Em nenhum caso revolucionaram a gestão econômica, através do controle ou gestão coletiva da propriedade nacionalizada. As nacionalizações não tocaram os bancos, base da gestão capitalista da economia. O uso dos recursos fiscais extraordinários para compensar os capitais nacionalizados acabou bloqueando a possibilidade de um desenvolvimento econômico independente. O capital estrangeiro, forçado a sair da esfera industrial, retornou sob a forma de capital financeiro, usando as indenizações obtidas para a compra da dívida pública. Em Venezuela o petróleo se encontra formalmente nacionalizado, mas a PDVSA registra uma crise de custos e de endividamento, que a torna dependente de acordos de participação com os monopólios internacionais para explorar a Bacia do Orinoco. Venezuela sofreu, sob Chávez, um retrocesso industrial importante (dissimulado pela renda diferencial petroleira do país) e atualmente importa 70% de suas necessidades alimentares.
Nesse contexto, em maio de 2013, México, Chile, Colômbia e Peru, países com tratados de livre comércio com os EUA, puseram em pé a “Aliança do Pacífico” (Costa Rica e Panamá são membros observadores), eliminando em 90% suas tarifas de importação mútuas (prevendo-se a eliminação dos 10% restantes até 2020), e metendo uma cunha nos projetos integracionistas continentais animados pelo Brasil (os quatro “pacíficos” tem uma população de 210 milhões, contra 200 milhões do Brasil; um PIB de US$ dois trilhões, contra US$ 2,4 trilhões brasileiros). A iniciativa se situa no marco das negociações promovidas pelos EUA em favor do TPP (Associação Trans-Pacífica) com países da Ásia (não a China), Oceania e América que possuem costas no Pacífico, ignorando os acordos comerciais regionais desses países. Os nove países do projeto TPP (que inclui Chile e Peru) têm um PIB de US$ 18 trilhões (85% dos EUA) Que ultrapassariam US$ 28 trilhões caso se incorporassem México, Canadá e Japão.
A “movida” de inspiração ianque aproveitou que os projetos de “união latino-americana” agitados pelo nacionalismo sul-americano não foram longe, e até retrocederam. A Venezuela chavista abandonou a CAN (Comunidade Andina das Nações) em 2006 – a CAN ficou restrita à Colômbia, Peru, Bolívia e Equador – e sua incorporação ulterior ao Mercosul, concomitante com o golpe que derrubou o governo Lugo e produziu a exclusão temporária do Paraguai do bloco, beneficiou principalmente as empreiteiras brasileiras, que já obtiveram um “Acordo de Complementação Econômica” (outubro de 1914) exclusivamente favorável ao Brasil, e por cima das instituições e acordos do Mercosul. O ingresso da Venezuela seria interessante se permitisse acordos bilaterais, de intercambio de energia, com base em preços inferiores aos internacionais, investimentos industriais em ampla escala, com créditos baratos e de longo prazo. Isso é uma perspectiva fora do alcance das burguesias nacionais, pelas suas rivalidades e pela pressão do capital financeiro internacional.
Os governos bolivarianos se vangloriaram de uma suposta integração sem precedentes na historia continental, mas seu palavrório carece de substância, como o demonstra o retrocesso do Mercosul, embrenhado em disputas comerciais (desde 2011, Argentina aplica tarifas não automáticas de importação a 600 produtos). O propósito do bloco criado em 1991 foi o de negociar uma maior integração ao mercado mundial de seus países, o que concluiu em fracasso (só foi firmado um acordo de livre comércio... com Israel). Brasil e Argentina incorporaram Venezuela ao Mercosul, uma medida sem conteúdo: a postulada integração energética do bloco revelou-se uma ilusão. As crises mundiais apresentam uma oportunidade para os países de desenvolvimento atrasado, porém para isso é necessária uma política independente da burguesia nacional, obrigada a atuar sob a pressão da crise em função de sua dependência do capital internacional. Mais que nunca que as economias da América Latina dependem de um punhado de matérias-primas, agrícolas e minerais. A integração latino-americana, que propicia especialmente o Brasil, reflete os interesses das grandes empreiteiras de obras de infraestrutura, vinculadas aos investimentos de capitais mineiros internacionais e em estreita relação com o capital de maquinário pesado dos EUA.
O nacionalismo não conseguiu superar suas limitações localistas e a concorrência entre as burguesias do continente. A proposta de “integração dos exércitos” é reacionária: as castas militares não deixam de ser um corpo alheio a qualquer controle social, e até a qualquer controle real por parte das instituições ditas representativas. Nos países favorecidos pelas exportações de combustível (gás e petróleo), o nacionalismo usou as nacionalizações, não para transformar os trabalhadores em classe dominante, mas para impedir sua organização independente, e submeter suas organizações à tutela do Estado. A COB boliviana se submeteu ao governo de Evo Morales, cuja estabilidade se baseia nas vendas de gás ao Brasil e à Argentina, e no aumento de 32% das taxas e royalties que as empresas estrangeiras produtoras devem pagar ao Estado desde 2006. Na Venezuela, o governo se empenhou em estatizar o movimento sindical. Em geral, as nacionalizações parciais e os aumentos de arrecadação serviram como pretexto, em setores sindicais e da esquerda, para abandonar a independência de classe e somar-se ao Estado nacionalista. Submetidas ao Estado nacionalista-caudilhista, as nacionalizações e as “ilhas de autogestão” (que devem competir comercialmente com as empresas capitalistas) concluíram reforçando o capitalismo e a exploração. A Venezuela pós-Chávez, afetada pela queda dos preços petroleiros, afundou numa inflação de 65% acompanhada de recessão, que projeta a sombra de um default financeiro. A movimentação golpista da oposição tropeça com sua divisão interna, que reflete a própria divisão do imperialismo ianque (extremistas republicanos vs. Obama-democratas) acerca da política a se seguir, havida conta a identidade chavista das Forças Armadas.
A nacionalização integral dos recursos naturais e energéticos é a pré-condição para uma integração latino-americana que não seja um instrumento da competição entre os monopólios (como a falida ALCA, ou o próprio Mercosul). Sem essa condição, os projetos unificadores (como o gasoduto do sul) não saem do papel. As nacionalizações foram condicionadas favoravelmente pelo aumento dos preços do combustível e dos minerais, ou seja, pela possibilidade de distribuir a renda diferencial entre o capital externo e o Estado. Havia (até sobrava) dinheiro para satisfazer todo mundo. Mas não serviram para modernizar a exploração dos recursos naturais, consumindo improdutivamente o capital investido. Com base nos recursos extraordinários, Venezuela e Bolívia impulsionaram importantes campanhas de saúde e de educação, mas não avançaram em sentar as bases econômicas da autonomia nacional, para sustentar no longo prazo os planos e programas sociais. Concluíram dilapidando a renda extraordinária (diferencial) da produção mineira, na crença de que os preços internacionais não cairiam nunca, mas o preço internacional do petróleo, que chegou a atingir US$ 150, despencou para pouco mais de 50.
A queda dos preços dos hidrocarbonetos, como consequência da crise mundial, fez entrar em crise as nacionalizações parciais, e abriu a via para uma nova etapa de concessões aos monopólios multinacionais. O ciclo de grandes arrecadações fiscais está concluindo. As limitadas reformas fiscais, com aumento dos impostos sobre o petróleo e o gás extraídos pelas multinacionais, ofereceram uma vantagem passageira no marco de preços internacionais elevados. A crise mundial ameaça em especial o governo nacionalista de Equador, cujo petróleo financia, não só a economia nacional, mas também a dolarização, até agora mantida. Diante da crise do nacionalismo, a burocracia sindical latino-americana carece de independência política, situando-se no esteio das políticas de salvação do capital praticadas pelos governos. Não defende um programa próprio, propondo, por exemplo, a nacionalização e o controle operário das empresas falidas. As centrais sindicais sul-americanas apenas pediram aos chefes do Estado da região que exigissem garantia de manutenção de empregos das empresas que recebem apoio governamental.
Nos países andinos, onde o movimento “bolivariano” teve a maior repercussão internacional, a peculiaridade do nacionalismo é o indigenismo, o protagonismo das massas rurais deslocadas às cidades, onde ocuparam o lugar ocupado no passado pelo proletariado industrial. As ideologias indigenistas compreendem um vasto arco, desde o retorno ao Inkário até a preservação das comunidades rurais originárias a partir de sua base produtiva (a pequena propriedade). Mas foi a pequena burguesia urbana a que impôs à massa indígena seu programa, o chamado “capitalismo andino”, que postula o entrosamento do meio agrário pré-capitalista com o capitalismo “global”, através da mediação do Estado. Assim, frustraram-se as promessas de uma revolução agrária.
Divididos e até enfrentados, os projetos capitalistas “latino-americanos” entraram em crise. A moeda comum Brasil-Argentina não passa de um recurso contábil para compensar saldos de pagamentos externos. A autonomia da ALBA é desmentida pelos compromissos simultâneos de seus países com outros acordos internacionais. O processo capitalista opera em favor da desintegração de América Latina. Brasil reforçou sua aliança financeira com os EUA e reduziu o consumo e o preço do gás boliviano. A Unasul é um projeto da burguesia brasileira para “integrar” uma indústria militar regional sob seu controle, e para impulsionar gastos em infraestrutura para suas empresas construtoras privadas. A CELAC (Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos) é um âmbito falatório que sequer consegue se pronunciar contra os golpes (Paraguai ou Honduras), contra o embargo ianque a Cuba ou pela retirada das tropas estrangeiras do Haiti, sem falar na retirada das bases militares ou no fim das manobras navais norte-americanas. As bandeiras “integracionistas” foram virando ficção política. O nacionalismo burguês fracassa novamente, como no passado, agora no marco de uma crise mundial inédita.
Com o impacto da crise mundial (e com a eleição de Obama) reclamou-se insistentemente o “fim da guerra fria na América Latina”. O apaziguamento entre os EUA e Cuba, a normalização de Cuba com a UE, serviriam para estabilizar politicamente à América Latina, opondo a integração política de Cuba contra a revolução latino-americana, oferecendo o fim do isolamento de Cuba. O destino de Cuba está, mais do que nunca, inserido no contexto latino-americano, e também na sua própria crise política interna, contextos que o governo de Raul Castro tenta “navegar” propondo uma espécie de “via chinesa”, com um papel central das Forças Armadas (que controlam mais de 60% da economia cubana). O contexto para uma transição ao capitalismo, como a ocorrida em Rússia e na China, mudou internacionalmente: o mercado mundial tornou-se estreito demais para admitir um novo competidor (embora pequeno, como Cuba). O contexto ideológico internacional não mais é o do “fim do comunismo”, como em 1989-1991. Reivindicar o fim do bloqueio norte-americano e o reconhecimento incondicional da autodeterminação nacional cubana (começando pela devolução de Guantánamo e a saída das tropas ianques da ilha) poderia por Cuba em contato direto com a luta social latino-americana, não só com o capital mundial.
As FARC colombianas viraram um fator de crise política internacional, incluindo a mobilização bélica regional. Chávez, antes de sua morte, apoiou a “troca humanitária” de reféns e o reconhecimento do caráter de força beligerante das FARC, para depois convidá-las a se desarmar e libertar incondicionalmente seus reféns, se reconciliando com a direita, uma pressão para o desarme unilateral da guerrilha. A experiência de luta armada das FARC (que chegaram a controlar quase um terço do território colombiano) está politicamente esgotada, mas isto está sendo usado para dar uma vitória política aos paramilitares colombianos que entraram no governo para apagar seu passado criminoso e se reciclar no “Estado de Direito”. As negociações de paz que se levam a cabo em Cuba, sob o patrocínio do governo castrista, se integram nesse marco político reacionário. Na América Central, as guerrilhas (FSLN e FMLN) abandonaram as armas para se somar à “política institucional” (burguesa) e gerir o Estado capitalista.
No gigante da América do Sul, o quarto mandato presidencial do PT começou sob o signo: a) da crise econômica e política; b) da tentativa de orquestrar um ataque estrutural contra as conquistas trabalhistas e as condições de vida dos assalariados brasileiros, com vistas ao “equilíbrio fiscal” e ao rebaixamento do “custo Brasil” (recuperação da taxa de lucros), para gerar uma nova corrente de investimentos externos e internos. As exportações de manufaturados (base principal da produção industrial) se situaram em 2014 em US$ 6 bilhões abaixo de 2008, um retrocesso absoluto de 17%. A balança comercial teve um déficit de US$ 3,93 bilhões, o primeiro em 14 anos. O déficit comercial em bens industriais (importações/exportações de bens manufaturados) subiu 150% em cinco anos (só Arábia Saudita fez pior na economia mundial). A reprimarização da economia brasileira está cobrando seu preço, econômico e também ambiental: a extração sem freio de minérios, a produção de soja e frango, está danificando sem volta os ecossistemas, em especial os aquíferos. Os indicadores industriais de produção, faturamento, uso da capacidade instalada, etc., embicaram para baixo. A indústria automobilística brasileira vai operar este ano e também em 2016 com estimados 50% de sua capacidade instalada. No balanço econômico dos primeiros quatro anos de Dilma Rousseff, o crescimento acumulado do PIB caiu de 19,6% para 7,4% (uma redução de 60% em relação a Lula I e II); a taxa de inflação acumulada aumentou de 22% para 27% (aumento de 20%); o déficit acumulado em conta corrente pulou de US$ 98,2 bilhões para US$ 268 bilhões, um aumento de 170%.
Dilma Rousseff buscou absorver a pressão dos "mercados", cuja principal preocupação é que o país tenha a capacidade de honrar o pagamento da dívida externa e aumentar os “incentivos” para que o capital especulativo não escape. Entre os “incentivos” não figuram somente o congelamento de salários e a redução dos gastos sociais. Um lugar importante é ocupado pela liberalização do comércio exterior e a mudança da política para o petróleo. Os esforços do governo para assinar um acordo de livre comércio com a União Europeia, para debilitar o Mercosul e “liberar” a política brasileira da Argentina, foram até agora bloqueados pelos governos da Argentina e Uruguai. Na questão do petróleo, o governo Dilma cedeu à pressão para que a Petrobras atendesse os interesses de seus acionistas privados (aumento do preço da gasolina e uma política de maiores lucros e distribuição de dividendos). A dívida pública do Brasil supera 60% do PIB; pior é a situação da dívida privada, que está perto de 100% do PIB. Em que pesem os superávits primários que totalizaram, entre 2002 e 2013 e em valores correntes, R$ 1,082 trilhão, a dívida interna pulou para quase três trilhões de reais (US$ 1,2 trilhão). Nesse quadro, a entrada de capital especulativo para aproveitar a diferença das taxas de juros brasileiras com as dos mercados internacionais foi forte nos últimos anos, mas agora enfrenta uma reversão de tendência. A fuga de capitais já resultou numa significativa desvalorização do real, da ordem de 30%.
O escândalo de corrupção da maior empresa do país, a Petrobrás, adquiriu dimensões imprevistas, afetando inclusive as contas públicas: a empresa (cujo valor de mercado caiu de R$ 410 bilhões em 2011 para R$ 160 bilhões atualmente) é responsável por 10% da arrecadação de impostos do país. Segundo a Merrill Lynch, o escândalo vai custar 0,86% do PIB. O esquema de propinas multimilionárias para a concessão de contratos públicos envolve as nove maiores empresas construtoras do país (Camargo Correa, Engevix, Galvão, Mendes Júnior, IESA, OAS, Odebrecht, Queiroz Galvão e UTC). O banco Morgan Stanley calculou que as perdas da petrolífera devido ao esquema seriam de R$ 21 bilhões (aproximadamente US$ 8 bilhões). Em torno da Petrobras gira a indústria da construção naval, a construção pesada e outros segmentos da economia brasileira. As nove empresas participantes do esquema corrupto (o “cartel”) faturaram, em 2013, R$ 33 bilhões com contratos públicos, financiaram candidatos a deputados com R$ 721 milhões, e candidatos a senadores com R$ 274 milhões: 70% dos congressistas eleitos em 2014 receberam doações das grandes empresas. Mais da metade dos membros da comissão parlamentar de investigação (CPI) do petrolão receberam doações milionárias das empresas sentadas no banco dos réus. O “clube” tinha dezesseis sócios fixos, e seis empresas “ocasionais”. Numa demonstração de “soberania”, o Procurador Geral do Brasil, Rodrigo Janot (ameaçado de morte), foi buscar ajuda para as investigações junto ao FBI norte-americano. As vozes que reclamam a completa privatização da Petrobras já se fazem ouvir. Mas não ainda as que deveriam reclamar sua completa estatização sob controle operário.
A queda dos preços internacionais do petróleo seria, para alguns analistas, a grande oportunidade para uma reativação da economia mundial, mas na verdade o que se anuncia é um período catastrófico para os países que sobrevivem graças ao lucro da extração mineral. O barril de petróleo havia subido até 150 dólares – com uma recaída muito forte em 2009, que levou até uma cotação média de 100 dólares antes da queda para 50-55 dólares. A queda nos preços internacionais repercute pouco nos preços internos, sendo inócua para reativar o consumo final. A maior parte dos governos do mundo precisa dos impostos aos combustíveis para fazer frente ao pagamento da dívida pública e ao resgate dos bancos. Enquanto o preço atual continua elevado, seu impacto negativo sobre a taxa de lucro das companhias petroleiras é muito forte, devido ao aumento dos custos que acompanhou a elevação dos preços, pela distribuição da renda entre todos os setores que intervêm na produção, pela incorporação de jazidas que exigem processos mais caros, ou pelo incremento dos investimentos. A queda mundial do preço do petróleo replica a de todas as matérias primas, dos minerais e dos alimentos. Esta guinada modifica o curso da crise econômica mundial porque bate em cheio na periferia, no mesmo momento em que a crise se faz mais aguda na Europa e no Japão.
A queda do preço internacional do petróleo foi atribuída à queda da demanda da China e Europa, ao forte aumento da produção de combustíveis não convencionais nos EUA, e à uma recuperação da produção na Líbia e no Iraque. A crise de superprodução na China é decisiva, porque o país é um fator fundamental na expansão do mercado mundial. O lucro do setor petroleiro havia aberto espaço para a produção custosa de gás e petróleo não convencionais nos EUA. No mercado norte-americano o preço do gás caiu para o limite da rentabilidade de sua exploração. A diminuição do preço da gasolina – e o do gás para a indústria e a calefação – é anulada pelo fechamento de jazidas, cuja produtividade é declinante. O boom dos combustíveis nos EUA foi impulsionado pelas baixas taxas de juros, que permitiram financiar investimentos que com taxas de juros maiores seriam proibitivos. Os elos fracos da crise petroleira internacional são Brasil, Rússia e Venezuela. Os custos da Petrobras e da PDVSA superam os preços internacionais atuais do petróleo; nestes níveis, ambas as empresas seriam inviáveis. O problema é que, além disso, possuem dívidas gigantescas e são fontes de financiamento de Estados com dívidas ainda maiores. As ações da Petrobrás cotizam em menos da metade de sua média histórica.
No Brasil, o déficit público atingiu 5% do PIB em 2014, o maior nível desde 2003. O déficit comercial e em conta corrente são os piores dos doze anos do governo do PT. O déficit das contas externas alcançou 3,7% do PIB, 83,56 bilhões de dólares, um nível que não era alcançado desde 2001-2002 (quando da crise da Argentina). Setores graúdos do grande capital brasileiro começaram por isso a propor uma mudança de eixo econômico externo. Luiz Alfredo Furlan, representante do agronegócio (e ex-ministro de Lula) propôs abertamente a saída do Brasil do Mercosul e a assinatura de acordos bilaterais com os EUA e a UE. Os 10% mais ricos da população continuam a deter 60% dos ingressos; 0,5% da população detêm 20% da renda nacional. A desigualdade social se manteve estável durante a era Lula-Dilma, apresentando ligeira tendência a aumentar. Sem falar em que basta olhar ao redor para constatar as péssimas condições de vida da imensa maioria da população brasileira, que nas últimas décadas não avançou, pelo contrário, em matéria de saneamento básico, saúde ou educação, uma deterioração que foi o detonante das jornadas massivas de luta de junho de 2013.
O anúncio da equipe econômica do novo governo recebeu as boas vindas do grande capital. Joaquim Levy, entre 2010 e 2014 foi presidente do Bradesco Asset Management, que administra mais de 130 bilhões de dólares. Na Universidade de Chicago foi discípulo do time de Milton Friedman, chefão dos “Chicago Boys” e pai declarado do neoliberalismo mundial. Como responsável político no Fundo Monetário Internacional (entre 1992 e 1999), Levy foi advogado e executor de programas de austeridade nos mais diversos países. Durante o governo FHC, Levy atuou como estrategista econômico, envolvido na privatização de empresas públicas e na liberalização do sistema financeiro, que facilitou a fuga de quinze bilhões de dólares anuais. Levy é um membro eminente da oligarquia financeira do Brasil. Em outra pasta estratégica, Kátia Abreu, no ministério da Agricultura, sustenta que o latifúndio não existe no Brasil. Foi dirigente da Confederação Nacional de Agricultura e, desde Tocantins, é agente do lobby da soja, outro setor em queda livre internacional.
Na área trabalhista, o seguro-desemprego, a pensão por morte, e outros benefícios sociais básicos, terão sua concessão tornada muito mais difícil. A desoneração da folha de pagamentos, praticada desde 2008, não reverteu a política de demissões, ao contrário, acentuou-a. Um cruzamento de dados demonstrou que R$ 5,5 bilhões (23,1% de um montante impositivo de R$ 23,8 bilhões sobre a indústria) deixaram de ser pagos por setores empresariais que demitiram mais do que contrataram desde 2012. E Levy propõe não só manter as desonerações, mas também aprofundar as facilidades para demitir. A capacidade instalada da indústria está em seu pior nível de utilização média desde 2009, sendo que as siderúrgicas, com 68,6% de uso da sua capacidade produtiva, são as que mais puxam o índice para baixo. Uma nova fase da luta de classes se abriu. No raiar do novo ano, os trabalhadores da Volkswagen do ABC paulista entraram em greve por tempo indeterminado pela readmissão de 800 dispensados. A empresa descumpriu acordo firmado em 2012, que previa a estabilidade dos funcionários até 2016. Outros 244 trabalhadores foram demitidos na Mercedes Benz. A 12 de janeiro, os metalúrgicos do ABC realizaram uma grande manifestação: mais de 20 mil pessoas ocuparam as faixas da Rodovia Anchieta, com trabalhadores da Volks, Mercedes, Karmann Ghia. Os metalúrgicos da Volks mantiveram o movimento até fazer a patronal recuar nas demissões (o sindicato admitiu, no entanto, um PDV, plano de demissão voluntária). Em São José dos Campos, uma greve de seis dias dos operários da General Motors também barrou as demissões.
No México, o massacre de 43 estudantes entre 18 e 21 anos confessado por traficantes de drogas detidos (revelação em que os pais das vítimas se recusam a acreditar até que haja provas) na noite de 26 de setembro de 2014 em Iguala, no estado de Guerrero, quando policiais locais atacaram alunos da combativa Escola de Magistério de Ayotzinapa, por ordem do agora prefeito detido, para evitar protestos durante um comício oficialista, suscitou um amplo movimento de repúdio nacional, que a repressão não conseguiu fazer retroceder. Depois de quase um mês e meio, a Procuradoria Geral mexicana quis encerrar o assunto com base na confissão de três bodes expiatórios oferecidos pelo narcotráfico, em que pese a clara implicação da polícia e até do exército no massacre. A mobilização não se detém, e pode levar à crise o governo do PRI (Peña Nieto) e sua complacente oposição, levando à desestabilização política o imenso país que faz fronteira com o sul dos EUA, onde a maioria da população é de origem mexicana ou latino-americana. O salário mínimo do México, integrado à economia dos EUA através do NAFTA, é o mais baixo do continente. Em junho haverá eleições parlamentares: a crise política mexicana apenas começou, com projeção internacional explosiva. Inclusive sobre seu vizinho do sul, a Guatemala governada pelo general genocida Otto Pérez Molina, que governa na base de estados de sitio regionais (e de assassinatos de lideranças camponesas e indígenas) para manter 60% das terras cultiváveis do país nas mãos de empresas extrativas multinacionais.
No outro extremo da América Latina, na Argentina, a morte (provavelmente assassinato) do procurador do Estado na causa AMIA (o atentado de 1994 contra a associação mutualista judia que deixou mais de 400 vítimas, 87 mortais), sistematicamente encoberta pelos governos nos últimos vinte anos, está expondo a decomposição assassina dos serviços secretos herdados da ditadura militar, intocados pela “democracia”, e sua cumplicidade com os serviços de inteligência estrangeiros (principalmente a CIA e o Mossad), configurando uma crise na própria coluna vertebral do Estado. No meio da crise política e institucional, projeta-se politicamente a Frente de Esquerda, encabeçada pelo Partido Obrero, uma alternativa de caráter classista e revolucionário, projeção confirmada pelos comícios eleitorais de Mendoza e Salta (as eleições gerais serão em outubro deste ano). Argentina espelha uma situação em que as condições objetivas (econômicas, sociais e políticas) do continente, no marco da crise mundial, abrem a possibilidade para a construção de uma alternativa de esquerda revolucionária.
Osvaldo Coggiola

O PT e a crise política no Brasil

O PT e a crise política no Brasil

Entrevista - Lincoln Secco
O PT ainda não entendeu o "antipetismo"?
CartaCapital: O governo Dilma foi alvo no último fim de semana de um 'panelaço' em bairros ricos e de classe média alta. Em resposta, o partido divulgou nota sobre o que chamou de “ato orquestrado pela burguesia”. Como o senhor enxerga esse processo pelo qual o PT passa em seu quarto mandato presidencial? Acha que o partido está em negação dos fatos?
Lincoln Secco: Em primeiro lugar não é uma ação orquestrada da grande burguesia porque nós temos visto indícios, até mesmo na grande imprensa, de que não há uma preferência dos estratos sociais mais ricos pelo impeachment. Obviamente que existem pequenos grupos que organizam manifestações. O que o PT talvez não tenha entendido é que existe um sentimento difuso na sociedade desde 2005 [época do “mensalão”] que é o antipetismo, traduzido pelo discurso anticorrupção, ‘antiaparelhismo’ do Estado, por mais que sejam noções que se aplicam também a governo anteriores. Mas não basta o PT dizer isso porque o partido já está no poder há 13 anos.
CC: Há ainda justificativa para falar de ‘burguesia’ depois de uma eleição tão polarizada? O senhor não acha que o PT não percebeu ainda que perdeu uma parte de seu eleitorado?
LS: O modelo de governo do PT está calcado em uma conciliação de classes, especialmente entre os muito ricos e os muito pobres. Isso deixou uma margem de manobra crítica, enorme, para os setores médios, que não ganharam nada nos governos Lula e Dilma. E é esperado que pessoas que emergiram das classes mais pobres para aquilo que o próprio Lula chamou de “nova classe média” acabe incorporando os valores da classe média tradicional. Isso forma uma base cada vez maior para o antipetismo. Nas últimas eleições, esse estrato social, que eu prefiro chamar de nova classe trabalhadora, se dividiu. Uma parte ficou fiel ao projeto do PT e outra parte migrou para o PSDB.
CC: O PT parece não saber como responder a tudo isso. Como o senhor avalia a postura do partido neste tipo de situação, do ponto de vista do diálogo com a sociedade? Historicamente, o partido sempre teve problema na comunicação?
LS: O PT sempre teve, na verdade, uma dificuldade de acesso à grande imprensa. Quem forma a imagem do PT não é ele, são os meios de comunicação de massa, que têm uma predisposição de crítica maior em relação ao PT. Ficou demostrado já [a postura da mídia] em pesquisas tanto no período em que o PT fazia oposição ao governo Fernando Henrique Cardoso como no período em que se tornou governo. Mas historicamente o PT nunca se interessou nem em informar sua militância e nem em constituir um aparato de imprensa, uma necessidade histórica do partido.
CC: O 'panelaço' surgiu também em meio à divulgação da lista da Operação Lava Jato. De novo o PT está envolvido em um grande escândalo de corrupção. Como o senhor analisa esse novo episódio na história do partido?
LS: Em primeiro lugar, a lista do Janot não citou nenhum grande nome do PT. Com exceção do Antonio Palocci, que é um nome histórico, mas que já estava inativo politicamente. Então na verdade o potencial destrutivo das acusações atuais sobre o PT é bem menor que em 2005. Acontece que, em 2005, o Lula estava em final de mandato. Então a oposição esperava que sangrando o Lula até as eleições seria suficiente para retirá-lo do poder. Agora a Dilma está no início de mandato. Isso significa que ela vai ter um governo de crise nessas acusações durante quatro anos. Isso que é terrível para o partido.
CC: Vai ter que resistir ao sangramento por muito mais tempo...
LS: E as lideranças de 2005 eram lideranças de primeiro time do PT. Dois ex-presidentes do partido foram para a cadeia. Acredito que não haja paralelo em nenhum partido socialdemocrata do mundo. E também um ex-presidente da Câmara dos Deputados. Pelo menos até agora não é a mesma coisa.
CC: Como biógrafo do PT, qual análise o senhor faz individualmente dos nomes do partido envolvidos na Lava Jato?
LS: O Palocci já havia passado por um transformismo ideológico no início dos anos 1990. Quando foi prefeito de Ribeirão Preto (SP), ele defendeu privatizações, escandalizou o partido num momento em que o PT era mais radical. Teve uma trajetória sempre envolta em mistérios, para usar um eufemismo. Mas o [senador] Lindberg [Farias] é um quadro neopetista errático. Saiu do PCdoB, se dirigiu ao trotskismo, e então se aproximou do PT. Ele não é um quadro histórico do partido. Tanto a [senadora] Gleisi Hoffman [PT-PR] como Humberto Costa [PT-PE] são quadros até que históricos, mas regionais. A Gleisi foi ministra da Casa Civil, mas não tem a importância que aqueles quadros do PT que caíram em 2005 tiveram. É por isso que acho que o problema do PT não está na lista. O problema está nesse sentimento negativo até para a democracia, que está se apossando de parte da sociedade, de que é preciso retirar a presidenta através da força ou impeachment. Quando a gente sabe que não existe nenhuma razão para impeachment no Brasil. Esse é um sentimento difuso.
CC: Sobre o escândalo, parece que toda a raiz é o financiamento privado de campanha, um dos temas mais importantes da reforma política. Como o senhor enxerga o fato dessa bandeira não ter sido prioridade para o PT durante muitos anos e agora explicar a participação do partido no escândalo?
LS: Depois de junho de 2013, o PT se voltou novamente para a defesa da reforma política. A própria presidenta lançou uma proposta, que foi sabotada por pessoas de seu próprio partido na época. E há setores minoritários do PT que fizeram no ano passado uma campanha de marcha pela reforma política. Mas a direção do PT sempre fica em compasso de espera: apoia timidamente e espera a reação da sociedade. Eu acho que o escândalo atual teria como uma saída, por parte do PT, a defesa radical agora do financiamento público de campanha porque o escândalo está especialmente ligado a isso. Está especialmente ligado ao financiamento privado de campanha, mas não há clima no Congresso para uma reforma política desse tipo. É mais fácil acontecer uma contrarreforma.
CC: Como essa que o Eduardo Cunha (PMDB) tem tentado emplacar...
LS: Isso mostra que, na verdade, os escândalos se sucedem, obviamente com um ilícito real no fundo, mas só adquirem expressão pública porque são usados como arma política. No caso, contra o PT. Não quer dizer que não haja ilícito, mas acontece que isso reduz o debate político a um nível mais baixo. Quer dizer, nós não estamos mais debatendo se o projeto social-rentista do governo Lula era correto ou não. Se o PSDB tinha alternativas. Se os dois partidos são parecidos ou não. Nós estamos debatendo crime. Quer dizer, a política está nas páginas policiais.
CC: O senhor acredita que essa nova crise do partido tem relação com o fato do PT ter perdido seus grandes quadros em 2005? O PT vive uma crise de quadros?
LS: Sem dúvida, o PT foi decapitado em 2005. Sobrou o Lula, que nunca foi uma pessoa que se importou em dirigir o partido. Lula sempre falou para fora. Ele deixava a tarefa de falar para dentro para o José Dirceu. Então isso aconteceu com a perda de José Genoino, Dirceu, João Paulo e até em certa medida o afastamento do Palocci. Tudo isso fez com que o partido ficasse acéfalo. Não há mais quadros daquela geração com a mesma grandeza. Agora o problema é que o PT não tem renovação de quadros. É sobretudo um partido de governo que se afastou das suas bases sociais. Isso já é até um chavão, todo petista reconhece. E pelo menos 80% dos quadros atuais do partido são pessoas que entraram depois que o Lula chegou ao poder. Pessoas que nem sempre têm os valores do PT do passado. Existem também aqueles que já eram dirigentes do PT no passado e se tornaram neopetistas. Ou seja, têm um discurso republicano oco para fora e uma prática carreirista, com nepotismo e favorecimento próprio.
CC: O fato de alguns petistas definirem a Dilma mais como um quadro do PDT do que do próprio partido é reflexo disso? Isso explica a crise entre governo e as correntes internas da legenda?
LS: O problema da Dilma é que ela não é nem um quadro histórico do PT, nem tem a dimensão do Leonel Brizola. Ela não pode fazer um governo personalista, “acima das classes sociais”, como fez o próprio Lula, em certa medida, porque ela não tem passado histórico e nem mesmo a competência política. Mas eu acredito que o problema não está nela, o problema está na economia que não sustenta mais aquele pacto social rentista que manteve o governo Lula. Está também na dificuldade que o PT tem de governar nesse presidencialismo de coalizão.
CC: O senhor acha que o PT errou ao não fazer a luta de classes por acreditar que esse “pacto” em que todos ganhavam não teria fim?
LS: É difícil dizer o quanto o partido errou. Na verdade, [o pacto] era um rumo que o partido tomou no fim dos anos 1990 ao fazer alianças para governar para todas as classes sociais. Não foi uma decisão tomada num dado momento. Foi uma evolução histórica de um setor majoritário do partido. Agora esse modelo só conseguia se sustentar enquanto a economia estava crescendo. O que o PT talvez tenha se equivocado era não prever o momento em que o cobertor se tornaria curto para cobrir todo mundo. Só que nesse momento ele teria que fazer opções, mas as opções levariam à radicalização. E a radicalização é tudo aquilo que o petismo governista jamais quis. Então é uma situação aparentemente sem saída. Radicalizar significaria na verdade taxar grandes fortunas, prejudicar o grande capital e transferir recursos para serviços públicos que beneficiassem a própria classe média, que é tão descontente com o governo petista. Mas essa seria uma decisão que acirraria a luta de classes e abriria um horizonte muito incerto para o partido. Conhecendo dirigentes do PT, eles jamais ficariam com isso.
CC: Mas, pelo antipetismo manifestado em ocasiões como essa do ‘panelaço’, não acirrar a luta de classes não evitou que isso acontecesse...
LS: Você matou a charada. O erro do PT é esse. O partido jamais quis acirrar a luta de classes, mas o modelo de governo que ele constituiu, que elevou uma parte das classes pobres socialmente, acirraria inevitavelmente a luta de classes. A luta de classes vai se acirrar independente da vontade do PT. Pela vontade do PT é que ela não aconteça, e que haja conciliação. Então não é um partido preparado para um radicalismo que existe hoje na sociedade. Até porque o PT já foi no passado, mas desde 2002 tem mantido os movimentos sociais ligados a eles adormecidos. E já surgiu uma nova militância nas ruas, tanto à direita, que é menor e mais desorganizada, quanto à esquerda, que é mais organizada, que não tem mais nada a ver com o PT. Então eu acho que, embora a gente não possa comprovar ainda, junho de 2013 deu a certeza a esses estratos médios críticos ao PT que o partido não consegue mais colocar seu exército nas ruas, para usar a expressão do Lula. O PT foi expulso das ruas em junho, ficou indeciso entre a condenação e o apoio. Enfim, junho foi o primeiro movimento de massa desde as greves do ABC e as Diretas Já da qual o PT não participou.
CC: Então, ao manter adormecido os movimentos sociais ligados ao partido, o PT ajudou a criar movimentos populares capitaneados pela classe média tradicional? O governo Dilma deveria ter iniciado suas ações de olho na classe média?
LS: Para lidar com a classe média tradicional, o PT teria que ter feito outro tipo de governo. Um governo que atendesse parte em desejo dos setores médios, que reclamam que pagam muitos impostos e tem serviços públicos ruins. E, ao mesmo tempo, fazer o que ele fez. Levar os mais pobres a um padrão de vida decente. Mas o PT não fez isso no seu governo. Só fez uma parte. A outra coisa é que o PT tinha que ter deixado de demonizar a classe média no seu discurso. Esse vasto setor público, do mundo corporativo, de pequenos comerciantes, é enorme em São Paulo, por exemplo. O PT teve um discurso agressivo contra aqueles que, em tese, queria conquistar. A classe média não é necessariamente reacionária, como o PT diz. Na história do Brasil, ela já teve um comportamento reacionário como, por exemplo, nas vésperas do golpe de 1964, mas se deslocou à esquerda no final dos anos 1970 e sustentou grandes mobilizações nos anos 1980. Tinha até uma certa simpatia pelo PT. Então não é algo imutável, mas o PT não tem capacidade de operação política para mudar isso a curto e médio prazo.
CC: Além do antipetismo crescente, o governo Dilma parece já ter conseguido perder credibilidade junto a seus próprios eleitores. O senhor acha que existe caminho de volta para essa guinada neoliberal?
LS: O problema da Dilma é que ela foi rápida demais. Isso pareceu um estelionato eleitoral para as pessoas que nem são petistas, mas se engajaram na sua campanha com medo da vitória do PSDB. Ela, em pouco tempo, renegou tudo o que havia dito em sua campanha eleitoral. Mas o PT tem uma base social mais abaixo, digamos assim, que é fiel. Ela não é maioria na sociedade brasileira, mas ela é bastante numerosa. Pessoas muito pobres, até com toda razão, temem a queda do governo Dilma porque isso significaria para elas a queda daquilo que elas conquistaram. O problema é que essa camada social, mais pobre e mais fiel, ela não foi representada na arena política. Não foi organizada pelo próprio PT. É um outro equívoco do PT. Jamais ter tentado organizar essa nova base social.
CC: Como o senhor enxerga o futuro do PT depois dessa trajetória, incluindo “mensalão” e Lava Jato e o antipetismo? O partido tem condições de se reciclar independentemente de vitória ou derrota em 2018?
LS: Em primeiro lugar, se o Lula de fato for candidato em 2018, ele seria a salvação do partido, mesmo que não seja eleito. Certamente ele mobilizaria a sociedade em torno da campanha do PT. Se o PT levar à frente os indícios de renovação que tem aprovado no Congresso, como, por exemplo, a limitação do número de mandatos de seus parlamentares, coisa que a gente tem dúvida se vai acontecer, pode ser que o partido continue tendo importância política e ideológica. Mas essas coisas são incertas. Geralmente, diante das crises, a gente tem visto que os dirigentes do PT primeiro se escondem e jogam ao mar aqueles que aparecem na lista. Independentemente do que as pessoas possam achar do escândalo de 2005, cabia ao partido naquele momento ou condenar totalmente aqueles dirigentes ou defendê-los. Do ponto de vista político, a saída para o PT deveria ter sido acirrar a luta política e defender os dirigentes. Mas simplesmente o PT agiu de forma errática. Dirigentes se escondendo...o caso do Delúbio Soares é paradigmático porque ele foi expulso do PT e depois voltou. Como é que o partido pode explicar uma coisa dessa? Se ele foi expulso, não deveria mais retornar ao partido. Naquele momento, o partido considerou que ele era uma pessoa que feria os preceitos éticos.
CC: É a mesma postura que o partido tem tomado diante das denúncias da Lava Jato...
LS: Você compara a nota do PSDB e a nota do PT [sobre o caso]. Salvo engano, a nota do PSDB defende o [Antonio] Anastasia. O PT não defende os seus deputados que estão na lista. Então a primeira coisa que o partido deveria fazer é dizer que acredita na inocência dos seus senadores. Mas não faz isso. O PT, claro, é também um partido muito dividido. Sempre há no partido aqueles que esperam lucrar com a queda do outro. Mas acontece que em um momento de crise tão grave como esse e tendo já a experiência do que foi o "mensalão", o PT deveria, no mínimo, fazer uma defesa pública das pessoas que apareceram na lista.
CC: Então, fazendo uma análise da história do partido, o senhor acha que o PT ainda é um partido de esquerda?
LS: Eu acho que o PT é a esquerda que o Brasil conseguiu ter. Entre os grandes partidos, que tem significação política-eleitoral no Brasil, o partido é partido da esquerda. Obviamente que se a gente pudesse falar de partidos nanicos aí sim, existem partidos com um programa mais radical. Mas no jogo político que interessa o PT é o partido que a esquerda conseguiu ter. Ele vive uma crise que tem raízes no ambiente político em que atua, na sua trajetória histórica, mas também no ambiente da América Latina. Não é à toa que o governo Maduro está em crise na Venezuela. Há uma crise econômica que está deteriorando as bases desse pacto social-rentista. Governos que pregam ideais de esquerda, mas fazem políticas sociais e econômicas visando a conciliação de classe. O caso da Venezuela é mais radical porque lá se prega o socialismo mas se mantém o capitalismo.
CC: Durante o fim de semana, foi noticiado ainda que o governo Dilma Rousseff teria tentado se aproximar do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso com o objetivo de se unir nesse momento de crise. Para o senhor, qual o significado por trás dessa postura?
LS: Esse sempre foi o sonho de consumo de uma ala do PT, desde os anos 1990. O José Genoino, o Eduardo Jorge, quando era do PT, sempre defenderam essa aproximação. A própria Luiza Erundina. No momento em que o Fernando Henrique se tornou ministro do governo Itamar, houve muita pressão interna no PT para que o partido apoiasse o governo e fizesse uma aliança com o Fernando Henrique. Também era o sonho de alguns tucanos. Você deve se lembrar que o Fernando Henrique chegou a dizer uma vez que o problema do PT e do PSDB é que eles comandavam setores atrasados. Uma aliança entre os dois, que eram partidos modernos, era impossível devido à polarização ideológica que já havia. Eu acredito que esse talvez seja um sonho da Dilma. Nos últimos anos o PT e o PSDB se tornaram inimigos irreconciliáveis, mas a Dilma não é um quadro histórico do PT. Talvez ela sonhe uma saída dessa crise com uma aproximação do PSDB. Agora ela está fazendo um mandato biográfico. Ao contrário do partido, que, como partido, precisa sempre pensar na luta pelo próximo mandato. E ao contrário do próprio Lula também, que tem pretensões de voltar a ser presidente. Mas só que essa aproximação é bastante improvável. Já que a pergunta é: o que os tucanos ganhariam com isso?

RESUMO: CABRAL, Alfredo Lustosa. Dez anos no Amazonas (1897-1907). 2° ed. Brasília: Senado Federal, 1984.

RESUMO: CABRAL, Alfredo Lustosa. Dez anos no Amazonas (1897-1907). 2° ed. Brasília: Senado Federal, 1984.


- Primeira edição em 1949, publicado no Paraíba/ João Pessoa. O subtítulo era: “Memória de um sertanejo nordestino emigrado àquelas paragens em fins do século passado”.

- O autor é Paraibano, (14/01/1883 † 31/12/1960). Depois, chegou a se formar em odontologia. “atraído pela riqueza da borracha foi com um irmão mais velho, tentar a fortuna, na Amazônia. Lá esteve dez anos, de 1897-1907, justamente no período de maior riqueza da região” José Lins do Rego (O Globo, Rio, 1950).

- Devido as mortes indígenas em função da empresa gomífera, ele diz: “Não era sem a sua ponta de razão que o povo, no nordeste, sempre via com maus olhos o dinheiro que chegava no Amazonas. Parecia-lhe um dinheiro amaldiçoado” (idem). - Ficou na Amazônia entre os 10 a 17 anos.

- O Acre como todo o Amazonas foi um grande cemitério de nordestinos.

 

APRESENTAÇÃO (Senador Jorge Kalume, p. 05)

- Escreveu a pedido do professor universitário Octacílio Nóbrega de Queiroz, que apresentou o livro em sua primeira edição. O autor já era de saudosa memória.

 “O heroísmo dos nossos patrícios do Nordeste não pode ser aquilatado apenas pela forma como enfrentaram o fenômeno climático, obrigando muitos a abandonarem, no passado remoto ou recente, a terra mater, em busca de outras plagas, para eles totalmente desconhecidas” p. 5.

OBS: tenta dizer que o nordestino é forte e altivo por ter “escolhido” enfrentar à Amazônia.

- O autor chegou ao Acre (Vila Seabra/Tarauacá) em 1897. Segundo o senador, na época “somente os fortes dos fortes sobreviveriam” p. 6.

 

PREFÁCIL (1° Edição) – Por Octacílio Nóbrega de Queiroz, escrito em junho de 1949.

“O Amazonas é uma torrente de sangue que corre por uma floresta: a floresta é o Brasil” (FRANK, Waldo. America Hispana, p. 165).

“A agitada tragédia da borracha amazonense não tem nada que se lhe possa comparar” (NORMANDO, Evolução Econômica do Brasil, p.48).

- Foi o prefaciador que incentivou o autor a escrever o livro.

“Órfão aos quatorze anos, emigrou, acompanhando o irmão para o Amazonas, onde foi seringalista, mateiro, remador e varejador de canoa, cozinheiro, regatão, agricultor e inspetor de quarteirão... De volta à terra natal, se fez professor primário na Escola Normal da Paraíba, em 1912... depois músico, vereador, rapadureiro, adjunto de promotor por duas vezes e, finalmente, vinte anos mais tarde, já aposentado no exercício do magistério público, cirurgião-dentista pela Faculdade de Medicina e Odontologia do Recife” p. 12.

“Dele (do autor) não podemos abstrair um só instante a sinceridade espontânea da narrativa” p. 12.

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O irmão, Silvino Lustosa Cabral, aos 24 anos, retornou ao Paraíba em 1897, depois de ter ficado no amazonas por cinco anos. No entanto, disse que voltaria.

“ouvia aquelas histórias bonitas, às vezes fantásticas, que ele contava, vem como, da facilidade de enriquecer em pouco tempo. Fiquei logo desejando de conhecer tudo aquilo” p. 23.

“Viajava eu, junto aos tropeiros... com o coração partido de saudade do rincão natal” p. 25.

 OBS: Tudo indica que a idéia de pátria, terra natal, estava mesmo vinculada ao local/região onde se nascia. No Acre, os nordestinos não tinham as terras como suas. Ali defendiam não à Pátria, que era o nordeste, mas a fonte de renda que os levaria novamente a sua terra natal.

- Quando é descoberto que um deles estava com varíola: “Como preventivo, ingerimos fortes goladas de aguardente” p. 29.

“Era um velho barco carcomido pela ação corrosiva do iodo marítimo e do tempo... Vinha cheio como lata de sardinha... A muito custo localizamos nossas redes e bagagens por cima das malas dos passageiros, pois, não havia mais espaço nos porões do navio” p. 29.

- No barco (o Pernambuco) iam “os remanescentes do 27 Batalhão da Paraíba que havia tomado parte na campanha de Canudos... vinha ali também a política do Pará, composta de rapazes moços e fortes” p. 29. Ao todo eram “mais de quinhentos, com destino àquele Estado” p. 30.

“Passamos o resto da tarde ouvindo histórias de Canudos” p. 30.

- O barco ainda rumou para o Rio Grande do Norte para pegar mais pessoas. “Os seus porões não comportavam mais um grilo” p. 31.

“O comandante recebeu uma lista de quinhentos flagelados para o Amazonas” p. 31.

“As redes armadas, duas, três, por cima das outras” p. 32.

“A certa distância da cidade o navio ancorou. Em pouco tempo estávamos rodeados de botes e de catraias com seus balaios repletos de vendagens comestíveis, doces, camarões, frutas etc., para serem vendidas a bordo. Esses negociantes, compostos em maior número de mulheres, eram quase todos negros, poucos brancos viam-se ali” p. 32.

“Não se podia mais tolerar o ambiente de imundície nos porões. Entristecidos, embriagados, vomitando no fundo de redes porcas, jazia uma quarta parte dos passageiros” p. 32.

“estávamos acordados, ansiosos para nos livrar da velha e sórdida embarcação” p. 33.

- Chegado em Belém “Fomos nos hospedar no Hotel das Duas Nações que pertencia a espanhóis e portugueses, razão por que tinha esse nome” p. 33. Era outubro.

“A iluminação, à noite – maravilha fascinante especialmente no largo da Pólvora. Poucas eram as cidades do Brasil iluminadas à luz elétricas, nesse tempo” p. 33.

“O comércio estrangeiro focalizara-se na Praça de Belém atraído pela riqueza da borracha” p. 33.

- De Belém, “o navio saiu direto para Manaus. Gastamos sete dias” p. 33.

- De Belém ao Juruá: 40 dias.

OBS: Belíssima narração da viagem.

“Não existia dinheiro na região” p. 35.

“Meu irmão, guarda-livros e gerente, havia já três anos, era estimadíssimo, e teve, por isso, recepção formidável” p. 35.

“O Sr. João Marques de Oliveira, dono do seringal, bom e maneiroso, não sabia ler” p. 35.

- O mesmo, tão logo o irmão do autor chegara, foi ao nordeste atrás de mais pessoas para o trabalho gomífero. “Trouxe uma companheira de estatura regular, bonita e simpática, alegre e jovial. Contava vinte e quatro anos e chamava-se Maria Mendes Maciel. Era sobrinha de Antônio Conselheiro” p. 36.

“Tinha o nome de brabos os que chegavam ali pela primeira vez” p. 36.

“Na margem oposta do lago moravam dois brabos. Em um domingo, fomos visitá-los. Receberam-nos alegremente. Haviam matado dois mutuns. Estavam em festa. A panela fervia exalando um cheiro agradável, tempero com pimenta e banha do Rio Grande do Sul” p. 37.

“Não eram penas de mutum, e sim de urubu-rei. Tomamos somente uma xícara de café e voltamos à nossa residência” p. 37.

“Aos sábados dirigíamo-nos para o rio com o fim de arrancar, na areia das praias, ovos de tracajá, que havia em abundância nos meses de julho e agosto e os de tartaruga, de setembro e outubro” p. 37.

“Nas safras de tracajá e tartaruga, o seringueiro vive de pança cheio e confortado com os ovos que traz da praia quase todos os dias” p. 38.

“Entramos no rio da esquerda, chegando no seringal Belmonte, de bom leite, com metade a ser explorado. A inconveniência que tinha eram duas malocas dos índios caxinauá e catuquina a pouca distância” p. 40.

“Não acabamos de abrir o mato; quando soubemos que os índios tinham atacado uma barraca de quatro seringueiros. Repelidos a bala, correram” p. 40.

- os índios eram chamados de “os selvagens” p. 40; considerados “inimigos” p. 41.; “ferozes” p. 42.

“Nas correrias o pessoal não se dispersa. Marcha em fileira” p. 41.

- Em 1899 “presenciamos um forte movimento sísmico, que durou uns quatro segundos com tremos de terra e prolongado gemido” p. 42.

OBS: até agora não falou de Galvez. Talvez o ano de 1899 ainda não era tão conhecido assim pelo Juruá.

- O patrão “Era um velho de sessenta anos, violento, enraivecido por qualquer futilidade. Fora capitão do Exército e renunciara à farda para se entregar à cultura da borracha. Estava ali há muito tempo. Enriqueceu...” p. 43.

“Em ajuste de conta com um seringueiro [...] mandou matá-lo e, por causa de uma melancia, tirada na praia sem a devida ordem, matou outro” p. 44.

OBS: quem ia para o Acre já estava disposto a matar ou morrer. “Morria um e chegavam cinco para substituí-lo” p. 53.

 

A REVOLUÇÃO ACREANA (p. 53)

“Para aumento de revezes estourara no rio Acre a luta do seringueiro com a Bolívia, encabeçada por Plácido de Castro” p. 53.

“Plácido de Castro vendo as coisas um pouco turvas enviou ao Tarauacá um emissário com poderes de requisitar forças dando patente de capitão para os donos de seringal que conduzissem pelo menos vinte homens. Todo o rio acelerou-se, todo mundo queria ir” p. 53.

OBS: fica patente a forma como Plácido de Castro arregimentava os patriotas soldados que, quando designados, ficavam pulando de alegria, tudo era melhor do que a tortura da colocação.

“Fato curioso é que, naquela época, segundo ouvi dizer – não tenho certeza -, esteve também por lá o colega Getúlio Vargas (colega na idade e na espingarda) incorporado às forças do coronel Antonio Olímpio da Silveira” p. 53.

“Terminada a guerra, os combatentes proclamaram a independência do rio em República Acreana. Adotaram um pavilhão como símbolo da Pátria e outras coisas mais” p. 54.

“O Governo Federal constituía-se senhor das terras em questão, que dali por diante nem eram República Acreana nem tampouco pertenciam mais ao Estado do Amazonas, e sim ao Brasil” p. 54.

“Foi inaugurada, na foz do rio Moa, a cidade do Cruzeiro do Sul, tendo como Prefeito o General Gregório Thaumaturgo de Azevêdo, que nomeou os tenentes do Exército, Guapindaia, delegado do Juruá, e Luiz Sombra, do Tarauacá, com atribuições de resolverem todos os problemas atinentes ao policiamento e negócios dos riosEm todos os seringais encontrava-se uma autoridade investida de poderes – o Inspetor de Quarteirão... Todas as brigas e encrencas, que surgiram, eram resolvidas pelo Inspetor que, depois, dava conta ao tenente dos ocorridos em sua circunscrição” p. 54.

“Ali não existia mulher, elemento esse indispensável em toda parte” p. 55.

“Lugar que tem índio não há caça, ele devora tudo” p. 57.

“O seringueiro chega sempre do trabalho da estrada fatigado sem encontrar o que comer” p. 57.

“A umas quinhentas braças de nossa barraca, existia um velho roçado encapoeirado, pertencente a tribo JAMINÁUA que, pressentindo nossa chegada, afugentara-se, havia alguns anos, para mais longe. Viu que nossa invasão a seus domínios era positiva, inexorável. Por esta razão, mudara-se, tornando-se qual nômade, sem um ponto certo de morada. ” p. 65.

“Só não investiam contra a civilização porque tinham a certeza que a reação era tremenda, brutal” p. 66.

“Às onze horas, estava de volta à barraca. Defumei o látex, tomei banho no igarapé, troquei de roupa, almocei... com os companheiros, segui ansioso para dançar e tomar aguardente no barracão. Não existia mulher na festa” p. 67.

“... viviam os índios nas cabeceiras dos afluentes da margem direita do Alto Juruá, inclusive o Tarauacá... A horda de invasores apoderara-se de sua habitações e roçados, enxotando-as a bala para o centro da mata bem distante das margens do rio... Evadiram-se, todavia, os selvagens, com medo, mas cautelosamente ali apareciam para abastecer-se” p. 67.

“O aborígine, como sabemos, é de índole preguiçosa e indolente, desconfiado e ciumento. Quem for a uma aldeia não faça motejo, todo cuidado é pouco... São bastante sadios. Desconhecem moléstias venéreas e seus dentes são quase imunizados da cárie dentária. Raro é o que tem ferida braba... Nunca se vê um índio aleijado. Dizem que se, ao nascer, a criança tiver defeito físico grave, o pai, ordem do chefe da taba, mata-a novinha, pela razão de não poder manter-se com seu próprio trabalho, quando crescer, nem achar quem a sustente... O índio chama o negro de TAPAIÚNA. Odeia-o e tem do mesmo grande aborrecimento... Ninguém quer nem pode trabalhar para o outro. Cada qual cuide de si” p. 68.

OBS: nas páginas seguintes, faz uma descrição pormenorizada da vida cotidiana indígena.

“Trabalhara ali já havia decorrido três anos sem poder libertar-se da conta que, dia a dia, avultava contraída com seu patrão” p. 71.

“No referido lugar morava um seringueiro de nome Paulino de Azevedo Sombra, de Aquiraz, Ceará. Trabalhador, econômico, conseguiu acumular no Contas Correntes do patrão sua meia dúzia ou mais de contos de réis. Crédito era só quem tinha” p. 71.

- O patrão propôs que se Paulinho pagasse a conta do outro, daria a mulher do inadimplente para ele.

“Não é de todo dispensável dizer que eram muito difíceis, naquela época, as relações entre os dois secos. Regiões havia, numa extensão de dez a doze propriedades, onde não se encontrava uma dona-de-casa. A aquisição de uma donzela da selva era tarefa temerária, porque raramente a índia se sujeitava ao regime doméstico. Isso inda podia acarretar o perigo de ser a moça levada pelos da tribo ou haver choques violentos, de parte a parte, transformando-se em intriga que não se acabaria mais. Sob esse aspecto, as uniões de seringueiros com selvagens eram quase nulas” p. 73-74.

“Foi por isso, atendendo a tamanha irregularidade de vida, que, certa ocasião a polícia de Manaus, de ordem do Governador do Estado, fez requisição nos hotéis e cabarés dali de umas cento e cinqüenta rameiras. Com tão estanha carga, encheu-se um navio cuja missão foi a de solta, de distribuir as mulheres em Cruzeiro do Sul, no Alto Juruá [...] não faltou pretendentes” p. 74

“De propósito, convém não esquecer ser o cearense um tipo enérgico, conquistador de terras, afável, trabalhador, valente no momento oportuno, mas divertido e de espírito crítico” p. 76.

 OBS: da página 79 em diante fala de alguns mitos e lendas que assolavam os seringueiros: Curupiara, jabuti, sucuruju, boto, irapuru, mapinguari etc.

- Danças (p. 97).

“Em 1906 já havia posto fiscal federal na foz do Muru” p. 107.

OBS: comenta sobre a inauguração da Vila Seabra.

“Que era esse ambicionado tesouro que vim a conhecer em janeiro de 1907 tão somente em Manaus? A mais luxuosa pensão, o mais empolgante cabaré da América do Sul. Fortemente iluminado, com todas as sortes de jogos, com teatro, era lugar de lindos rostos de todas as partes do mundo – polonesas, francesas, portuguesas, peruanas, brasileiras dos vinte e um Estados, todas, enfim, ali se exibiam numa libertinagem desordenada, doida” p. 108.                                                                                             

“Escravizado oito ou dez anos na selva, sem relações com o sexo oposto, o seringueiro que chegava à cidade, não o deixava de freqüentar. A exploração era roxa. Muitos ali deixavam todo o dinheiro que haviam arranjado com enormes sacrifícios. “Lisos” – restava-lhes ir ao escritório do patrão implorar uma passagem no gaiola e retornar ao seringal de onde saíram” p. 108.

“Ao chefe do barracão cabia o papel de resolver as questões do seu seringal. Existiam no Juruá muitos criminosos de morte, sem a menor punição, até que chegaram fortes censuras aos ouvidos do Governo” p. 120.

“Não existia roubo ou furto, porque se o indivíduo chegasse à barraca de qualquer desconhecido, sem o encontrar em casa, podia servir-se do que entendesse – alimentação, munição, contanto que deixasse um bilhete ou, se não soubesse ler, no soalho da barraca, um sinal qualquer” p. 121.

“O elemento preponderante no Juruá era o peruano e, com este, não tínhamos relações confidenciais. Vez por outra, estavam surgindo desavenças, críticas, aborrecimentos. Começavam por nos apelidar de maquiçapos ou macaquitos... O peruano trabalhava no caucho e vivia como um bicho, arredado no interior da mata, distante, sem contato com os brasileiros, enquanto que este só se enfeitiçava pela seringueira, sempre às margens dos rios ou a três ou quatro horas de viagem destas” p. 121.

 

SOBRE A REVOLUÇÃO ACREANA p. 129.

“O nome de Acre resultou de alteração da palavra Aquire, denominação de um rio afluente do Purus, segundo o geógrafo inglês Chandless (1865), descoberto por um mulato amazonense,Manoel Urbano da Encarnação, ou de aquiri – água corrente do tupi” p. 131.

- Plácido de Castro “Antes de morrer, ferido gravemente, pediu que, morto, seu coração fosse dividido, parte para sua mãe e outra para a noiva, em terras de seu distante Rio Grande” p. 132.