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sábado, 2 de fevereiro de 2019

Origem do topônimo Acre e a polêmica sobre o gentílico acreano (por Eduardo de Araújo Carneiro)

Origem do topônimo Acre e a polêmica sobre o gentílico acreano (por Eduardo de Araújo Carneiro)

        Não se sabe ao certo a origem do vocábulo Acre. Até o momento, o registro mais antigo com esse nome é um documento assinado pelo Brasil e pelo Peru em 23 de outubro de 1951. No Art. 1, § 7º do Tratado de Comércio, Navegação, Limites e Extradição, consta a expressão “a margem esquerda do rio Acre ou Aquriy”. O documento revela que desde o início dos anos 1850 aquele rio já era reconhecido por meio de duas grafias ou duas imagens acústicas. O uso do termo “rio Acre” foi mais corrente entre os migrantes brasileiros, já entre os bolivianos, até a primeira metade da última década do século XIX, o mais frequente foi “rio Aquiry”.
          Acredita-se que o “Aquiry” tenha origem em uma das palavras de língua tupi “Uwákürü ou “Uakiry, faladas pelos índios apurinãs (ipurinás), e que significam “rio dos jacarés”. Ou mesmo do vocábulo “Yasi'ri” ou “Ysi'ri” que significa “água corrente, veloz”. Há quem defenda ainda que tenha surgido do léxico tupi “akyrá”, nome de uma tribo indígena que viveu na região do atual Estado do Ceará, e que significa “gordo”.
As hipóteses sobre a origem do nome “Acre” são muitas. Castelo Branco (1958, p. 4), menciona que houve quem defendesse a procedência fenícia da palavra “Acre”. Porém, a mais aceita hipótese é a de o nome tenha surgido do aportuguesamento de uma palavra indígena. Para uns, a palavra foi “a'kir ü”, de origem tupi, que significa “rio verde”; para outros, da palavra foi “Aquiry”, já mencionada. Como aconteceu tal “aportuguesamento”? Para essa pergunta também há várias respostas.
Para Castelo Branco (1958, p. 4), por exemplo, o fenômeno aconteceu no início dos anos 1870, quando os exploradores brasileiros da região puruense transformaram a palavra apurinã “uakiry” em “aquiri”, “aqri” e depois “Acre”. Ele diz que em 1871, “Labre (Antonio Rodrigues Pereira Labre) encurtara (a palavra Aquiri) para Acre, grafia esta de que ele fora o primeiro a adotar e a publicar” (idem, ibidem, p. 45). O autor chega a dizer que o “Aquiri” era o nome primitivo de “Acre” (idem, ibidem, 72).
          Também é muito conhecida a explicação de que o aportuguesamento tenha surgido através de um erro de grafia do Aquiry ou Aquiri. O fato teria acontecido em 1878, quando João Gabriel de Carvalho, o “primeiro” colonizador do rio Aquiri, escreveu ao comerciante do Pará, Visconde de Santo Elias, pedindo para que certa quantidade de mercadorias fosse destinada à "boca do rio Aquiri". O comerciante não entendendo a grafia de João Gabriel, achou que o mesmo havia escrito algo como “Acri” “Aqri” ou “Acre”. Reza a “lenda” que a partir de então, todas as mercadorias destinadas para aquela região foram com o nome “rio Acre”.
          Há quem diga que a origem do nome Acre esteja nas propagandas feitas no Ceará pelos responsáveis por arregimentar mão de obra para a extração da borracha. Para convencer os matutos, supostamente se dizia que a Amazônia era uma região rica e fértil e que lá ninguém ficaria sem um “acre de terra”.
          Muitas outras explicações ainda são possíveis, contudo, mencionaremos apenas mais uma, a de que o nome guarda relação com um porto mediterrânico conhecido como São João de Acre. Esse porto ficou notório na história por ter sido palco do mais importante conflito armado entre muçulmanos e cristãos durante as Cruzadas do século XIII, e que acabou por definir a hegemonia islâmica na Terra Santa.
          Atualmente esse “Acre” é uma pequena cidade da região norte do Estado de Israel e fica cerca de 160km de Jerusalém. Na língua hebraica, o porto é chamado de Akko. Por ter mais de quatro mil anos, é natural que a região tenha recebido outros nomes. Mas é sabido que por quase toda a Idade Média o topônimo “Akre” se tornou o mais comum, principalmente quando virou capital do Reino de Jerusalém. Judeus, árabes e cristãos de todo mundo aportaram em Belém e em Manaus antes mesmo do boom da borracha, e potencialmente, qualquer um deles poderia ter nomeado esse rio amazônico de Acre. Embora com chantes remotas, essa hipótese não pode ser descartada sem que antes se feita uma pesquisa mais séria.
          Diante de tantas indagações, podemos afirmar que o nome Acre não é um patrimônio dos primeiros acrianos, pois não foram eles que inventaram a palavra. Como falei inicialmente, há menção dessa palavra em documento oficial datado em 1851, ou seja, antes da colonização daquela região por brasileiros. Além do mais, no livreto Rio Purus (1972), escrito por Antonio Labre, já constava a palavra “rio Acre” e mo Jornal do Amazonas, em sua edição de 16 de novembro de 1876, p. 2, menciona que um vapor por nome “Acre” navegava o rio Purus. Portanto, o vocábulo “Acre” é anterior à primeira geração de acrianos. Não é impossível que o topônimo Acre tenha surgido a partir de uma palavra indígena, mas esse fenômeno linguístico, se é que aconteceu, é anterior à segunda metade do século XIX.
          A expressão “rio Aquiri ou rio Acre” continuou sendo empregada durante um bom tempo, mesmo com a hegemonia brasileira na região. Ela está no texto do Tratado de Petrópolis (1903) e no do Tratado de Limites Brasil-Peru (1909). Na década de 1960, autores como Castelo Branco (1958) ainda a usava. Tudo indica que o nome “Aquiri ou Aquiry” só desapareceu lentamente do vocabulário amazônico. Na verdade, o nome “Acre” só se tornou mais usual com a proclamação do Estado Independente do Acre por Galvez em julho de 1899. E é possível que ele tenha escolhido o nome devido ao fato daquele rio ser o mais rico em seringueiras, consequentemente, o mais populoso, o mais trafegável e o mais importante da região.
          Quando Luiz Galvez estende a significação do nome Acre para muito além das terras banhadas por aquele rio, deu-se o início de uma operação semiológica, ou seja, um acontecimento enunciativo de nomeação. Ele usa o nome Acre para identificar uma outra coisa que não era o rio que deságua à margem direito do Purus, e sim um ente político administrativo, uma pessoa jurídica de direito público. Portanto, o Acre inventado por Galvez não era o mesmo “Acre” que dava nome ao rio. São dois signos linguísticos diferentes, embora sendo homônimos, com mesmo significante e mesma “imagem acústica”.

          Quando estudamos a semântica de um acontecimento enunciativo, é preciso tratá-lo como um fenômeno singular, mesmo que sua erupção no universo discursivo esteja marcada pela interdiscursividade. Assim sendo, apesar de haver um diálogo entre a “República do Acre” e “rio Acre”, ambos são signos diferentes, designam coisas distintas, o primeiro não é a continuação do segundo, não há uma cadeia de linearidade entre eles.
          O “Acre” de Luiz Galvez era um Estado soberano que adotara a forma republicana de governo. A república pressupõe o exercício da cidadania, que pressupõe um vínculo jurídico entre o indivíduo e o Estado. Nesse caso sim, há a necessidade da invenção de um “gentílico”, que passará a identificar o cidadão com o Estado em que ele nasceu ou em que ele exerce a cidadania. Posso afirmar que foi a partir de então que o gentílico “acreano” se tornou frequente na linguagem regional.

          O gentílico, portanto, não tem 138 anos de uso como afirma a Academia Acreana de Letras, pois isso significaria dizer que o vocábulo tivesse surgido em 1878, com a primeira ofensiva colonizadora de brasileiros em terras à margem do rio Aquiri ou Acre. E mesmo que houvesse alguma referência do gentílico nesta data, coisa que não tem, dizer que ele tem 138 anos é tratar os diferentes signos homônimos como se fossem um único signo.
          O sujeito reconhecido como “acrEano” por residir às margens do rio Acre, não pode ser tratado como o mesmo sujeito que se tornou a “acrEano” por ser um cidadão de um país chamado Acre. Nesse país, no caso o Estado Independente do Acre, um sujeito poderia ser considerado “acrEano”, mesmo não residindo próximo ao rio Acre, já que a identificação territorial do nome “Acre” se tornou mais ampla, sendo possível agora um sujeito residente às margens do rio Iaco também ser chamado de acrEano. A mudança não foi apenas na extensão territorial que o nome agora passava a designar, houve também uma mudança qualitativa. O território deixava de ser uma mera localização residencial do sujeito para se tornar o espaço jurisdicional de um Estado soberano.
          A história do “acrEano” cidadão da República do Acre não é a mesma daquele sujeito que antes da República era supostamente tratado como “acrEano” tão somente por morar nas proximidades do rio Acre. Dizer que a origem de um está na sequencia evolutiva do outro é desconsiderar que ambos foram produzidos por fenômenos de subjetivação distintos. Como fenômenos singulares, cada um deve ter sua narrativa própria, pois não se trata de um mesmo “acrEano” que vem evoluindo com o tempo.
          Da mesma forma, temos um anacronismo quando se afirmar que o gentílico “acrEano”, designador do sujeito natural do Estado do Acre, unidade federativa da República do Brasil, tem origem em um tempo em que sequer esse Estado existia. Como pode? A narrativa oficial impõe a temporalidade linear e tranquilizadora do identifico, eu prefiro mostrar a tensão da dispersão temporal daquilo que é naturalmente movente e distinto por si mesmo. Não há uma cadeia de derivação enunciativa entre um e outro. O lastro histórico e continuísta que reagrupa os diferentes homônimos em uma mesma narrativa é artificialmente construído.
          Mesmo com a dissolução da República do Acre em março de 1900, os defensores da Questão do Acre continuaram empregando o gentílico, visto que era útil a causa, pois promovia a união entre as pessoas e a mobilização delas. Naquele contexto, ser acriano significava mais a ideia de não ser boliviano, do que propriamente de ser brasileiro. Isso por que, como já vimos, durante a vigência da República do Acre, ser “acrEano” também significava não ser brasileiro.



Eduardo Carneiro é professor da UFAC, escritor, historiador, economista e doutorando em Estudo Linguístico pela UNESP. Este artigo corresponde a um trecho do livro: O Discurso Fundador do Acre(ano): História e Linguística.



sábado, 30 de janeiro de 2016

A verdadeira geografia do Acre

FONTE: http://terranauas.blogspot.com.br/

A cidade mais isolada do Acre não é Santa Rosa do Purus, nem Jordão e muito menos Marechal Thaumaturgo. A cidade mais isolada do Acre é Rio Branco. Rio Branco é "ligada" com o resto do Brasil. Quer dizer, "ligada" em termos... Parece mais aquele menino buchudo que ninguém quer no time de futebol, mas fica insistindo com o nariz remelento "deixa eu jogar, vai".

Mas Rio Branco é isolada do Estado de que deveria ser a capital. Rio Branco não é a capital do Acre, é uma cidade-estado que só pode ser a capital de si mesmo. A cidade-estado de Rio Branco tem três capitais: a capital econômica fica na periferia de Porto Velho, a capital pólítica, fica na periferia de Brasília e a capital cultural fica em algum lugar entre São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná, encostadinho num estúdio da Rede Globo (que horas são?).

***

Parafraseando Luis F. Verísssimo, que disse que os portenhos (nativos de B.Aires) eram italianos que se achavam ingleses, a maioria dos rio-branquenses são rondonienses que se acham paulistas.

Para estes, que tiveram pouco, ou nenhum contato com a verdadeira cultura nativa do estado o Juruá, parece uma terra de conto de fadas, uma espécie de Nárnia e nós os "narnianos" somos uma espécie exótica, que talvez nem exista mais.

É a impressão que eu tenho quando alguém do governo fala sobre os investimentos na região.
E para ser justo, o governo tem lutado sim para mudar esta geografia. Não por que ele seja "bonzinho" e tenha de fato conseguido enxergar "Nárnia", mas porque o Juruá pesa cada vez mais na balança política do estado e o povo juruaense, cada vez mais bem informado, não aceita mais as migalhas da capital. E para ser justo também, quem começou a mudar esta geografia política foi, gostem ou não, Orleir Cameli. A partir de seu governo, não foi mais possível tratar o Juruá da mesma maneira que vinha sendo tratado pelos governos anteriores.

O que me enoja na capital é como parte significativa de sua sociedade, especialmente a sua pseudo elite se cerca do poder a fim de tirar uma "casquinha". É este séquito de miséráveis que fornece a "cortina de fumaça" que impede ou ao menos, dificulta que os representantes do poder instituído pelo POVO do ACRE, enxerguem a realidade.

O rei está nú e a função do primeiro círculo do poder é dizer que suas vestes são lindas. Atrás destes vêm um segundo círculo que diz "você está nú, mas se me pagares, direi que suas vestes estão lindas". As vezes tenho a impressão de que o governo instituído pelo POVO do ACRE é refém de uma sociedade corrompida e com quase nenhuma disposição para trabalhar.

Me enoja quando o empresariado da "capital", diz que prefere investir em Porto Velho do que em Cruzeiro do Sul. Mas por outro lado, me trás também alívio: não precisamos de mais safados aqui, por que já fabricamos os nossos.

É significativa a letargia e a indiferença com que a sociedade rio-branquense recebe os anúncios da conclusão da BR, da ponte sobre o rio Juruá e etc, etc e etc...

Em tese, apenas em tese, é para que a ALEAC fosse uma casa de represetantes das diferentes regiões do estado. Na prática, todos tornam-se rio-branquenses e passam a viver do gargarejo claustrofóbico do poder que impede que enchergar além de Bujari. 

...Na verdade não é o Juruá que precisa se separar do Acre, é Rio Branco que precisa abrir os olhos para o resto do estado e deixar de ser tão somente apenas, a capital de si mesma.

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